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Reforma do setor elétrico: duvidosa, inadequada e imprópria 21 de março de 2018

Por Ronaldo Bicalho – A reforma do setor elétrico brasileiro proposta pelo atual governo é duvidosa em termos dos resultados que ela promete entregar, inadequada às peculiaridades físicas e técnicas do nosso setor elétrico e inapropriada às incertezas do momento atual do setor elétrico aqui e no mundo.

A reforma atual representa uma retomada extemporânea das reformas dos anos 1990s, baseadas na liberalização dos mercados elétricos e na privatização das empresas estatais presentes nessa atividade econômica.

Esse retorno ao passado não se justifica em termos da experiência acumulada nos últimos vinte anos tanto aqui quanto no mundo.

A introdução da competição no mercado elétrico, pedra de toque das políticas liberais para esse mercado, baseada na hipótese de que a eletricidade seria uma mercadoria como outra qualquer e que, portanto, o mercado elétrico seria um mercado como outro qualquer, se demonstrou extremamente difícil de ser implementada.

O problema é que a eletricidade não é uma mercadoria como outra qualquer e, portanto, o mercado elétrico não é um mercado como outro qualquer.

As dificuldades de construir uma imitação de um mercado competitivo foram ficando cada vez mais evidentes a partir, principalmente, da retumbante crise californiana, no início da década passada.

Essas dificuldades se traduziram em uma agenda de complexidade crescente na qual vão se adicionando novos módulos (mercado de capacidade, leilões, mercado de diferenças, etc.) ao projeto original (o mercado apenas de energia), no intuito de fazer um simulacro de mercado cada vez mais próximo do que seria um mercado de energia elétrica competitivo.

O problema desse esforço de engenharia de mercado é a inflação de normas, regras, procedimentos e aparatos regulatórios que se traduz em uma elevação significativa dos custos institucionais desse processo de imitação de uma estrutura competitiva.

Essa elevação coloca sérias dúvidas sobre a racionalidade de uma estratégia de liberalização dos mercados elétricos que necessita da criação contínua de novos puxadinhos, penduricalhos e badulaques para cobrir as deficiências e fragilidades intrínsecas ao projeto de mercado original.

Dada a complexidade técnica e econômica presente nas transações que envolvem a eletricidade, o mercado elétrico sempre é uma construção institucional, requerendo, de forma incontornável, a predefinição de regras e normas para o seu funcionamento.

Portanto, por melhor que seja essa predefinição, ao final, esse mercado será sempre uma imitação, uma caricatura, um arremedo de mercado.

Nesse contexto, quanto mais sofisticada a imitação maior o custo e a complexidade da sua construção. Complexificação essa para a qual não há nenhuma garantia de sucesso em termos de produção de eficiência econômica; dada a óbvia natureza incerta desse processo de criação institucional de mercados.

No modelo tradicional, a imitação de mercado chegava no máximo ao mercado monopolista. Mecanismos de impedimento à entrada e tarifação pelo custo de serviço eram soluções simples de um projeto de mercado essencialmente “modesto”. Pode parecer uma solução “tosca”, porém foi a partir dela que se deu toda a implantação e expansão do setor ao longo de grande parte do século XX.

A crise desse modelo e a adoção do modelo liberal nos anos 1990s, com sua ênfase na concorrência, introduziu no desenho dos mercados elétricos um forte viés de complexificação crescente das instituições do setor, inchando o número de regras, normas e organizações para-setoriais.

Nesse sentido, a liberalização dos mercados como proposta de política pública para garantir a segurança do abastecimento elétrico, tanto em termos de disponibilidade física quanto de acessibilidade econômica (quantidade e preço), foi perdendo a sua força ao longo dos últimos trinta anos, fruto do reconhecimento de que os seus custos são muito mais elevados do que os esperados e os seus benefícios são muito menores do que os prometidos.

No caso do Brasil, a natureza hídrica do setor elétrico brasileiro, associada ao modelo técnico-econômico-institucional fortemente baseado na otimização centralizada dos reservatórios, se, por um lado, imprimiu um caráter peculiar e único às atividades elétricas no país, por outro, gerou uma inadequação à introdução da competição nesse mercado intrínseca ao nosso setor.

Para um setor concebido e implantado com bases em uma forte coordenação, estruturada em termos da cooperação característica das atividades sustentadas a partir de uma visão coletiva, a introdução da competição, estruturada em termos do enfrentamento característico das atividades sustentada a partir de uma lógica individual, implode o sistema. Pelo simples fato de que detona a coluna que estrutura, técnica e economicamente, o setor elétrico brasileiro.

Fonte: Ambiente Energia.